29/10/2007

Vozes do além

Sexta-feira passada, dia 26 de outubro, acordei às 14:00 horas no leito de um hospital.

Não sabia o que fazia ali, nem quem me vestira, foi quando descobri que havia tomado um soco durante o treino na academia de manhã e estava com amnésia temporária.


Lá pelas 16:00 horas foi quando percebi que havia um texto digitado em meu bloco de notas do celular, é nesse bloco de notas do celular que escrevo 99% dos textos que publico aqui no blog.

O texto havia sido escrito pouco antes das 11:00 horas da manhã, da própria sexta-feira.

Sim, eu o escrevi, não lembro quando, nem como, só sei que foi durante algum momento em que estive na maca do pronto socorro.

Para minha surpresa o texto é repetitivo, tem erros de gramática e pontuação, mas isso é perfeitamente compreensível, já que foi redigido por um cérebro fora de suas funções normais.

Mais interessante ainda foi perceber que usei palavras e formas gramaticais diferentes das quais costumo usar normalmente, era a própria consciência, além de corpos e formas, manifestando-se através das ferramentas que tinha na ocasião.

Compartilho com vocês, mãos em prece!

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Deitado na cama, o soro ligado a veia, nada na mente além de um flash de momentos, realidade e irrealidade intimamente ligados.

Não me recordo do que ocorreu, apenas flashs passam pela cabeça, a nítida sensação de viver um sonho.

Quem me trouxe, onde estou, imagens vagas, flashs de uma realidade.

Em um segundo sou apenas um corpo sobre a cama, o soro ligado na veia, as ligações na memória do celular de números que não me recordo.

Vozes...

Vozes do lado de fora, estranhos, vozes do lado de dentro, irreais?

Na veia o soro é injetado, na agenda compromissos anotados de deveres que temporariamente desconheço.

Olho em volta as coisas voltam a fazer sentido, que loucura estou na cama de um hospital, o soro na veia, as vozes distantes.

Aguardo, aguardam a tomografia do paciente, eu, preocupações.

Na sala de espera de minha mente as coisas voltam a fazer sentido.

Para onde teria ido esse sentido antes?

A roupa no corpo não me traz recordações, acordei, me vesti, sai de casa, mas para onde?

No leito do hospital o soro traz de volta a lucidez, mas o que aconteceu? Como vim até aqui?

Fome...

A confusão é mais aparente no rosto dos que no dos outros, lindo saber que na hora de ir um momento veio a cabeça.

Daqui nada se leva...

Com uma pancada na cabeça o todo caiu, chego aqui como o vento, sem saber de onde vim,nem para onde.

Assim como todos nós.

A diferença é que a maioria de nós acredita que está em algum lugar.

Não estamos, somos este lugar.

Não há medo, nem confusão, apenas vagas memorias.

Com um soco as pernas se dobraram e a mente pulou do barco. Ela só aparece quando existe uma vaga idéia de realidade, quando algo acontece ela desaparece, como um fantasma no acender das luzes.

E é ela que a maioria de nós busca satisfazer. Esqueça, na hora do vamos ver ela o deixará na mão.

O médico vem e me olha nos olhos, tudo bem, ele se vai, o soro na veia, retomo a consciência, conhecimento de onde estou e não de quem me preenche.

A lucidez volta, estou de volta ao mundo dos homens, gostaria que os homens pudessem estar naquele outro mundo, que nos circunda e nos preenche.

Não me recordo do que aconteceu, nem de como vim parar aqui, apenas flashs.

Não há problema, já estive aqui uma vez, nos corredores de um hospital, a diferença é que não a mais medo.

Os recados na agenda perderam o sentido, acredito que as pessoas estejam preocupadas, o médico deixa a sala, devo permanecer em observação durante 24 horas, a tomografia está normal, mas segundo ele tive uma concussão cerebral e devo permanecer em observação.

Não me recordo dos últimos acontecimentos, não sei que dia é hoje, não sei quem me colocou essa roupa, não sei como cheguei aqui, mas algo em mim até mesmo aqui, no canto esquecido do hospital, permanece vivo.

Os fatos sumiram da memória, não me lembro ao certo onde estava ou o que fiz, não sei mais que dia é hoje, mas estou feliz, calmo, confiante.

Lúcido ou transtornado, estamos todos o tempo todo mas mãos de Deus, de Buda, da Existência.

As memórias me confundem, mas tua presença me preenche.

O impacto no crânio causa uma temporária perda de memória, o impacto no corpo causa uma temporária perda de vida.

Hoje sinto plenamente sua presença, do leito de uma cama de hospital.

Flashs passam pela cabeça, o que aconteceu, quanto tempo se passou, mas uma certeza ainda me preenche.

Sou eternamente grato a Tua presença, pois as pernas podem se dobrar, a cabeça pode esquecer, mas Tua companhia a TUDO preenche!

Olhando agora os registros no celular, não me recordo do ano, da data, do que fiz essa semana, esse mês, pouco me lembro sobre minhas coisas e tarefas.

Mal me recordo o que comi, quando comi, não sei ao certo se estamos no começo ou no fim do ano, mas ainda assim sinto Sua presença, reluzente presença.

Que dia é hoje? O que comi de manhã? O que são esses recados na minha agenda que me parecem não mais fazer sentido.

Estou acostumado a viver assim sem referências, a vida não possui placas ou sinalizações, o que comi pela manhã, o que fiz ontem, a que horas acordei, nada me vem a cabeça, apenas Tua presença.

Se todos pudessem compartilhar também dessa certeza, os rostos nos hospitais não teriam a mesma expressão perdida no vazio do não conhecer o amanhã.

Assim solto e livre de rótulos e obrigações, pode-se mergulhar no vazio do dia a dia sem medo do hoje ou amanhã.

Não há vazo que nos contenha, nem liberdade que nos confime.

Estar livre é estar livre de se preocupar com o que somos, para onde vamos, ou porque estamos aqui.

Deus bate e derruba a si mesmo constantemente, no corredor sobre a maca, os médicos passam, mas apesar de muito estudarem não conhecem a verdadeira cura, aquela através da qual o corpo tomba, mas algo permanece, a memória falha, mas a vida se manifesta.

O braço que desfere o soco é do mesmo corpo que recebe o golpe, somos todos um só corpo.

As expressões de pesar e preocupação pouco tem a ver com a situação, o que realmente assusta as pessoas é o desconhecer do amanhã.

Não se preocupe, o coração de Deus ocupa todos os lugares, o peso de suas preocupações são nada diante de sua eterna presença.

Os joelhos dobram, os olhos fraquejam, o corpo sucumbi a brutalidade do impacto, mas a verdade não sucumbi.

No quarto ao fundo da sala de espera do hospital, o doente aguarda por alta, mal sabem os médicos que por trás daqueles inocentes olhos azuis está a verdadeira cura, aquela que nem mesmo na morte sucumbi.

Que possamos todos nos livrar da ignorância de que está existência é breve e passageira.

Não há golpe mais poderoso em toda existência, o soco da vida noucatei a si mesmo, o guerreiro tomba, mas a inocência permanece resplandecente, é dessa forma que o guerreiro cai, mas a virgem permanece pura e livre de qualquer ameaça.

Mãos em prece...

E da sala de espera do hospital, diante do desconhecido, lágrimas de felicidade, agora mais do que nunca sei que o que levanta não pode ser derrubado, o corpo cai, mas não ninguém ali para ser nocauteado.

A memória falha, a percepção falha, o corpo falha, mas a Verdade permanece.

E que Verdade!