08/06/2016

Relações humanas (Parte 1 de 2)

Parte 1 de 2: Desconstruindo



No cérebro dos mamíferos, um sistema em particular controla os processos relacionados à emoção e à memória. As estruturas desse sistema, chamado de límbico, permitem que mamíferos relacionem seu entorno a si mesmos, reconheçam rostos e decidam o comportamento mais correto para cada situação.

Regulando e controlando diferentes hormônios que regulam motivação e recompensa, relações se formam por excitação de sistemas nervosos que dizem que, se algo é bom, deve ser mantido e, se algo é ruim, deve ser afastado.

Mas, além de serotonina, adrenalina, dopamina e outros hormônios, não apenas a físico-química do corpo rege as relações humanas. Convenções sociais são também importantes fatores. A teoria das ligações sociais define que quatro elementos controlam as relações: apego, compromisso, envolvimento e valores.

Sobre os elementos físico-químicos, novas realidades mais subjetivas são criadas, como num segundo patamar edificado sobre o primeiro. Não é difícil enxergar como apego, compromisso e envolvimento são regulados pelos mecanismos neurais de motivação e recompensa, a partir de valores que são definidos por uma lógica muito mais maleável.

Porém esses mecanismos, tanto biológicos como sociais, ainda não são suficientes para definir todos os tipos de relações afetivas que podemos estabelecer. A compartimentação em caixas dos tipos de relações possíveis nasce em um terceiro plano, construído sobre os dois primeiros: o plano cultural.

Enquanto, o primeiro plano físico-químico é comum a muitos seres vivos, o segundo plano se restringe a àqueles, principalmente mamíferos, capazes de formar estruturais sociais, e o terceiro se restringe apenas aos seres humanos.

Minha hipótese é que, se essa compartimentação é realmente cultural e inerente apenas aos seres humanos, ela pode ser questionada e novos modelos podem ser construídos, a partir de novas leituras e valores, que interagem em uma escala muito mais flexível do que a genética.

Se as relações podem ser classificadas em diferentes tipos - como mostra a imagem que abre o texto - com códigos de conduta diferentes, seria possível reclassificá-las em tipos mais comuns, sem preconceitos e ideias pré-concebidas?

Para a ciência, quando a realidade apresenta indícios que não atendem a teoria, uma nova teoria é necessária. É possível realmente classificar corretamente todos os tipos de relacionamentos nas categorias da imagem?

Em minha vivência do dia a dia, tenho observado relações que não atendem as categorias pré-estabelecidas. Seriam relações entre irmãos realmente marcadas pelo sangue comum? O que é sangue comum? Qual o percentual de DNA compartilhado deve ser necessário para definir irmãos? E os meio-irmãos? São tão verdadeiros quanto os irmãos de pai e mãe? Até que ponto na árvore genealógica alguém pode ser classificado como família? Primos de segunda geração de tios-avôs ainda são primos? O que é exatamente família, se nossos ancestrais são todos comuns? Na Índia ainda persiste um sistema de castas que criam novos compartimentos para as relações humanas; eles fazem algum sentido na cultura ocidental? Essas perguntas permitam observar que existem níveis mais comuns e profundos para as relações humanas que não necessariamente se moldam às caixinhas da imagem, ou às convenções sociais.

Na próxima parte do texto, vou tentar construir uma nova visão sobre relações humanas, sobre uma ótica mais ampla e simplista, que resolve e responde a perguntas que a teoria atual de compartimentação não permite. Gostaria da sua opinião. Até breve.

Relações humanas (Parte 2 de 2)

Parte 2 de 2: Reconstruindo

"Quer se casar comigo?"

Talvez uma das frases mais clássicas da sociedade ocidental moderna, onde a liberdade de escolher um marido ou esposa se tornou comum.

O que significa essa frase na prática? Preparativos para uma festa? Morar junto? Construir uma família? O que essas perguntas tem em comum? Futuro? Expectativas de construir algo em um momento adiante quando ainda existirá união?

Desconstruindo as relações humanas no texto anterior assumi a hipótese que as compartimentações dos diferentes tipos de relações humanas são uma convenção cultural que muda e evolui. O que indica então essa questão do futuro sob uma nova ótica?

Pergunto, seria possível classificar todas as relações humanas em apenas duas categorias? A primeira, aquela que a relação é suficiente em si só e a segunda onde a relação depende de um compromisso mútuo por algo a ser construído no futuro?

Faz sentido, não? Relações familiares e relações de amizade, por exemplo, se baseiam em uma relação que existe por si só. É claro que existem discussões, brigas e reconciliações, porém um amigo que some por anos não deixa de ser amigo e uma irmão que some por anos não deixa de ser irmão. Não existe expectativa de uma construção conjunta. Mesmo que em alguns momentos exista construção, não existe a expectativa.

Já uma relação entre duas pessoas que se amam ou uma relação entre sócios em um negócio, exige um comprometimento maior que vai além da própria relação. Nessa dinâmica o futuro e a expectativa que deriva dele é fundamental para manter a união. Chame isso de sonhar junto se achar mais poético.

Agora reflita por alguns momentos, quantas relações você poderia ter visto com mais clareza ao longo da vida pensando dessa forma? Quantas melhores decisões poderiam ter sido tomadas? Quanto drama poderia ter sido evitado?
Veja, que simples perceber que ainda pode existir amor entre duas pessoas, pode existir excitação de sistemas físico-químicos de recompensa, porém sem a expectativa de construir um futuro juntos e, portanto, sem uma possibilidade de união.

Interessante, não? Por essa visão as compartimentações podem continuar existindo, porém relações entre irmãos que não compartilham um sangue comum podem ser estabelecidas, casais podem permanecer juntos enquanto for bom, sem expectativa de futuro, e relações entre amigos podem ser muito mais intensas e ao mesmo tempo leves, sem compromissos desnecessários.

É possível construir um futuro em comum junto com uma pessoa? Se a resposta for não, a questão está resolvida. Mesmo que ainda exista sentimento, apego, ciúme, desejo, ainda assim, a questão principal está resolvida.

Meus votos por relações cada vez mais claras e sonhos cada vez mais juntos.

29/01/2015

Post-it amarelo



"Convoque a diretoria! Reunião de cúpula! Este momento é decisivo, não se pode deixar passar essa oportunidade!"

Asteroide fluindo no espaço-tempo, eterno, milhões de anos-luz até o Sol, mais um milhão além dele. Cruzando a galáxia, sem pressa, sem meta, sem destino.

"Venda agora! Balanço divulgado, lucro congelado, crise anunciada! Veja a tendência do indicador no quadro branco, muitos especialistas especularam sobre ele!"

Asteroide único, atravessando mais um ciclo, mais uma era. Séculos e séculos, que diferença faz?  Sem campeões, sem perdedores, absoluto.

"Vamos lá! Essa é a decisão da sua carreira! Não deixe cair agora! Pegue essa arma, guarde bem, se for preciso, não hesite em usar! Fogo!"


Saudades, asteroide, saudades. Saudades de estar junto, não separado, de não se importar. Saudades de apenas ser.


Cientificamente já foi provado que há sempre algo a se provar. Provar que não somos passageiros, que temos um lugar na história, um lugar a ser lembrado. Pedestal de mármore na moderna sociedade contemporânea. Como pequeno somos nós, nessa aventura permanente de nos provarmos alguém.

Desgastado argumento de que a batalha é dura e a luta permanente. Um dia acreditei nisso também, noites acordadas pensando no futuro, mas agora não, agora é diferente, verifiquei as raízes do discurso dominante e elas estão podres.

Saudades, asteroide, saudades.

15/10/2014

Truco!


Dizem que o poker é um jogo de informações incompletas, o que significa que muitas vezes a decisão mais correta não é a decisão vitoriosa. Nessa dinâmica o bom jogador não é aquele que apresenta sempre excelentes resultados, mas aquele que entende o processo e é capaz de acumular um saldo positivo no longo prazo.

Esse texto, entretanto, não é sobre poker, mas sim sobre outro jogo de informações incompletas, dos quais todos nós participamos: a vida.

Deixe-me elaborar melhor o conceito de “informação incompleta”. Considerando uma rodada típica de um jogo tradicional de poker, a ação ocorre em quatro momentos diferentes, entre os quais os jogadores envolvidos apostam a partir das cartas particulares que tem nas mãos e das cartas comuns no centro da mesa. O jogador que possui o maior jogo formado entre as cartas particulares e comuns ganha à rodada, a menos que venha a fugir por conta de uma aposta de outro jogador.

Isso significa que nem sempre o melhor jogo irá ganhar a rodada e que o melhor jogo no primeiro momento não necessariamente será o melhor jogo no último momento.

Por conta dessa dinâmica, uma ação tomada no momento presente só poderá ser considerada um erro ou um acerto em outro momento futuro, no momento em que todas as informações no presente incompletas forem no futuro reveladas.

Já imaginam onde quero chegar?

Por ser a vida um jogo de informações incompletas, toda ação tomada no presente é em si erro e acerto. Toda ação é um potencial que virá a ser e não um objeto pronto e terminado.

Por ser a vida um jogo que se desenrola em momentos progressivos, a melhor ação possível tomada no presente não necessariamente se revelará como a melhor ação possível no momento seguinte.

Entendendo essa dinâmica é possível determinar que a melhor postura frente ao jogo não é assumir o papel do juiz, aquele que toma sempre a decisão correta frente às informações disponíveis, mas o papel do piloto, aquele que toma a decisão possível no momento em que a corrida vai se desenhando.

Disse um dia um grande mestre: “Minha vida é uma sequência de erros”.

Pelo entendimento comum uma vida dessas é digna de pena, quão lastimável deve ser para uma pessoa carregar permanentemente o fardo de tantas más decisões. Porém, aquele que enxerga que erro e acerto são conceitos dinâmicos, pode entender a frase sobre um novo prisma: “Minha vida é uma sequência”.

Vida é sequência, nunca completa. Nós não estamos separados dela, somos vida, nunca completos. O esforço, portanto, não é se concentrar em tomar decisões corretas, mas em ser correto.

Relaxe,


08/07/2014

O ponto mais baixo


Se você quer evoluir em algo, seja lá o que for, precisa aprender desde cedo a andar de mãos dadas com o fracasso. Não existe nada melhor para o caráter do que uma boa derrota.

Para o vencedor o desafio acabou. O objetivo esta completo, não há nada mais para aprender, nada mais para estudar. A vitória trás consigo a ilusão do fim.

Entretanto, aprendemos desde cedo que a derrota é vergonhosa, que é motivo de lágrimas. O problema não é perder, mas o que perder significa. Mas a verdade é que o perdedor não é pior que o vencedor, nem o vencedor é melhor que o ganhador.

Perder com dignidade é uma grande bobagem, quem perde é quem ganha. Quem perde pode aprender com suas falhas, quem perde pode refletir sobre seus erros, quem perde recebe de presente um guia para crescer; o ganhador só recebe um título.

É difícil romper essa barreira, romper a barreira do preconceito, mas uma vez que você percebe o quanto ainda existe para aprender, perder é fundamental, perder é uma benção.

E não digo que a derrota de hoje pode motivar o sucesso de amanhã, como se ela fosse a justificativa de uma redenção, digo que a derrota de hoje já é a vitória! Já é o prêmio maior!

Observando a mim mesmo, vejo a ganância motivando o jogo, a ganância impulsionando minha vontade de querer mais e então, quando não correspondida, vejo a raiva nascendo da ganância e alimentando a tristeza de não ser quem acho que deveria ser.

Mas uma vez que vejo isso, posso ir além, posso sentar com a cabeça fria e    conversar com meus pontos fracos e assim dar mais um passo.

Olhando em volta, vendo o que essa vida representa, essa sucessiva brincadeira do Universo em criar novos momentos sem aparentemente nenhum objetivo, penso que talvez essa seja realmente a única vitória: caminhar apreciando a paisagem.

02/06/2014

Tem fogo?


Samsara (sânscrito-devanagari: संसार, perambulação) o fluxo incessante de sofrimento e felicidade estabelecido pelo dia a dia.

Samsara é a sua vida. Cada minuto da sua vida, quer você queira, quer não, nunca foi nada além de Samsara.

Samsara é um labirinto, um enorme labirinto sem saída. Um labirinto de ruas largas e arborizadas, de forma que você tem a sensação de não estar em um labirinto.

O público muda, mas os desejos são os mesmos. Cada qual escolhe aquilo que está mais alinhado ao seu desejo, mesmo sem saber que desejo é desejo, independente do objeto.

Você muda de emprego, de companhias, de lugares; novos continentes, amigos e culturas. “Aqui ainda não está bom, mas lá estará, certeza que estará!”. Ruas largas, muito largas. 

O que é ruim incomoda demais, mas o que é bom enjoa rápido, qual a solução? Disseram-lhe que o caminho da felicidade está em correr atrás de seus sonhos. Ah sim! Os sonhos. Nada tão largo quanto um sonho; ruas largas, muito largas, lembra-se delas?

A lista contínua de sorrisos na linha do tempo da rede social destoa das caras fechadas que perambulam mundo afora - não manifesta ditadura da felicidade superficial. Estar triste é vergonhoso e ser conduzido um sinal de fraqueza.

Nos foi dito que a posição do líder é o ponto maior a ser alcançado. Vida longa ao rei! Não nos disseram, entretanto, que na primeira fase o líder se julga superior aos demais, na segunda se julga inferior ao se colocar no lugar do outro e, então, na última fase, não existe diferença entre líder e conduzido, apenas caminho. Poucos chegam lá. Nessa trilha a arrogância e a soberba ofuscam o julgamento. Ruas largas, muitos largas, acho que já comentei sobre isso.

Mas hoje é um dia diferente, um dia triste. Um dia de assentar no frio da solidão. Os rostos passam a volta agitados, tomados pela excitação do que é passageiro, mas eu não, hoje não, hoje caminho pela rua estreita, pelo beco escuro.

Se reclamo do beco escuro me sinto infeliz; se me vanglorio por enfrentar o beco escuro me sinto superior. Independente da minha posição o beco é o beco e eu sou eu, ou não.

Sou eu, beco e escuro. Tudo e além de tudo. Aquele que vislumbra a inexistência da verdade sem existir como um aquele. Aquele que não se importa com a rua nem com o Samsara, porque pé e estrada são um só.

Seria a vida assim absurda a ponto de te colocar em um lugar onde só você existe? Onde só você é feliz e onde só você foi injustiçado? Não, a vida não discrimina. Eu, vivo e iludido por minha diferença é que discrimino. Eu, vivo e ofuscado pelo julgamento é que quero escolher o que deve ou não deve acontecer. Ruas largas, infinitas! Ruas que aprisionam minha liberdade sob minha permissão.

Tudo bagunçado, a ponto de pegar fogo, pena que não tenho um isqueiro.

18/03/2014

Guia do desbravador destemido

Quando leio a frase "viajar o mundo" em algum lugar, lembro desse texto que escrevi para um colega que partiu para uma viagem sem destino com a companheira. Resolvi compartilhar.

"Sempre penso que esse negócio de viajar o mundo é exagerado, pessoal tem essa ideia romântica sobre conhecer o mundo se aventurando.

A verdade é que viajar é muito bom, mas enche o saco também! Uma coisa é você pensar nas culturas que vai conhecer, nas pessoas, nos lugares maravilhosos que vai visitar e outra coisa é o dia a dia.

Depois do primeiro mês esse negócio de ficar abrindo e fechando mochila começa a dar nos culhões, você não aguenta mais ter de ir de um lugar pro outro e já tá assado de usar cueca suja, porque não consegue uma lavanderia em Istambul. 

Os pequenos detalhes começam a fazer diferença: você não consegue um colchão legal pra dormir, faz 3 semanas que dorme com dor nas costas, tá comendo montes de comidas diferentes, já ganhou uns 5kg, tá se sentindo roliço, vai fazer o que? Contratar um plano na academia? 

Aí você tem uma diarréia em São Petesburgo, não sabe o nome de nenhum remédio, vai procurar no google não tem sinal de wireless, pensa em arrumar um chip 3G, mas em Mumbai precisa de endereço fixo pra comprar e você não tem, então vai no hospital em Tóquio, só que não consegue ser atendido, porque nenhum médico fala inglês.

Aí pensa, olha pra sua companheira e decide que talvez seja legal se fixar em algum lugar, pra criar um pouco de rotina, só que você não consegue alugar nada por menos de seis meses e o visto de turista termina em 45 dias. Então paga uma fortuna por um apartamento meia boca no mercado paralelo, a privada do banheiro tá vazando, mas você não pode arrumar, porque não conhece nenhum encanador. 

Depois de se ajeitar no apê, pensa em ir no shopping tomar um sorvete, hoje você não quer desbravar o mundo, quer só um sorvete! Mas você não sabe onde fica o shopping, então pega um táxi e pede "shopping", o taxista sacaneia na distância, todo maldito dia algum taxista te sacaneia, mas você vai fazer o que? Comprar um carro? Como? Se a sua carteira de motorista não vale nada na Ásia?

Então você fica chateado, está tendo um dia difícil, quer ligar pra um amigo, tomar uma cerveja, mas você não tem amigos, não tem telefone e em Dubai só pode tomar bebida alcoólica com visto especial, que você não tem.

Por fim olha pro lado, vê a sua acompanhante, que você não aguenta mais ouvir a voz, porque é a única voz em português que está ouvindo nos últimos 3 meses; 7 dias por semana, 24 horas por dia. Você começa a pensar que talvez ela não seja a pessoa da sua vida, pensa em discutir, terminar, mas lembra que está em Sidney, do outro lado do mundo, já pagou duas semanas de hotel, tem duas passagens compradas e não pode simplesmente desistir de tudo.

Enquanto isso, continua postando foto no facebook e no instagram pra falar que tudo é maravilhoso, enchendo de inveja o pessoal que está no ar condicionado do escritório, enquanto você passa um calor infernal em Cartagena, porque a cidade está sem eletricidade mais uma vez (é a terceira vez só hoje).

Apesar de tudo, sei o que você vai dizer que é justamente isso que faz valer a pena. Sim, faz valer a pena pra você, você não é todo mundo. Pare de tentar me vender essa ideia de que viajar o planeta é a coisa mais legal do universo. Talvez sua felicidade esteja aí, talvez não, cada um procura por ela onde acha melhor. Boa viagem!"