22/05/2012

Escombros

Por sob os escombros do prédio da empresa de segurança, jazia o corpo ainda vivo de uma jovem senhora de seus quase trinta e cinco anos. Pálida, apática e coberta de cimento, lenta e dolorosamente seu ser se fundia com as ruínas.

Não que ela tivesse desistido, pelo contrário, seu coração sozinho bombeava o sangue de todos os feridos, como se a própria estrutura metálica da edificação tivesse se transformado em veias e artérias.

"Sinto muito medo", foi o que ela me disse vinte anos depois do acidente. Me confessou que de alguma forma sua mente ainda estava presa aos destroços. Como o pneu velho que atirado ao mar se transforma em milhões de pequeninos seres que em sua superfície encontram moradia, assim também as memórias se fundem aos cacos das lembranças, que costuradas em redes nervosas sangram muito para ser removidas.

Ainda assim, presa e curvada, nunca a vi desistir. Era como se seu coração tivesse desenvolvido uma habilidade de sobreviver e carregar o corpo adiante, mesmo quando o cérebro há muito já havia desistido.

Foi através dessa vontade que tive o privilégio de assistir seu renascimento, enquanto rastejava para fora de seu mundo reprimido. "Não é questão de força ou fraqueza, mas de saber que ainda tenho muito o que fazer", me falou depois.

E ela fez mesmo.

Caminhou por onde outros diziam ser impossível, escutou atentamente os que não tinham voz, carregou no colo os que não podiam andar. Incansável e humilde, nunca a vi pedir parabéns, nem nunca a vi se sentir lisonjeada com as palmas. Em sua cabeça sua missão era clara: fazer o bem é o único caminho possível, o que existe para ser elogiado?

Um dia reapareceu radiante e me disse com uma enorme verdade: "obrigado por me libertar". E eu respondi: não somos dois você e eu, nossa liberdade é compartilhada. Eu que preciso lhe agradecer por me abraçar tão forte quando as vigas cederam. Obrigado, mãe.

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