23/09/2012

Entrelaços

Aperte o play e boa leitura.



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Eu não sabia, ninguém sabia. Aconteceu e como aconteceu, desaconteceu. Tão intenso e rápido, deixando no ar se tudo foi realmente verdade ou não passou de ilusão.

No campo florido em plena primavera ela era uma roseira muito particular, ano após ano florescia apenas um botão. Muitos opinavam que o certo seria cortá-la para dar espaço a um espécime normal, mas nunca me importei, para mim aquela rosa era a mais especial de todo o jardim.

A cada estação aguardava ansioso pelo momento que começava a crescer, cuidando dela como uma filha e namorando de perto seu desabrochar. Sua beleza sempre me surpreendia a cada reencontro, nunca na vida vi outra flor tão especial.

Aquela rosa me transformou, me fez ver a realidade com olhos novos, por ângulos que antes não comtemplava. Sem exageros posso assegurar que minha história é marcada pelo antes e depois de nossos encontros.

Sua beleza ficava ainda mais especial nos dias de chuva, quando o silêncio da casa era quebrado apenas pela sua companhia. Sentia que quando estava em sua presença visitava uma outra dimensão, onde os momentos eram eternos e as horas escoavam em segundos. Minha vontade era largar tudo e viver apenas rosa, como se fosse possível abandonar minha forma e me tornar também botão, imortalizado lado a lado de minha amada.

De olhos fechados sou capaz de descrever cada detalhe de suas formas e relembrar sem esforço o aroma de seu perfume. Depois de minha rosa as outras flores não me preenchem mais, preso voluntariamente a um mundo infinito vermelho bordô.

Infelizmente só senti completamente tudo o que ela significava para mim depois que a perdi. Não sei se foi covardia, ou talvez baixa estima de acreditar que algo tão perfeito desabrochasse para mim de verdade, só sei que tão magicamente como apareceu ela se foi.

Perdido em meus delírios quis impor minha vontade possessiva a algo que cresceu em liberdade. Insciente esperei que sua beleza pudesse esconder o monstro em mim. Besta ferida por seus próprios espinhos que sangra até a última gota de suas más escolhas.

Sem poder se entregar minha amada rosa se fechou em si mesma.

Mais de uma vez chorei em silêncio, abafando a torturante dor no peito para passar por forte no exterior. Duro aprendizado de que lágrimas e lamúrios não trazem de volta o que se foi.

Do passado guardo apenas uma pequena caixa de recordações no fundo de minhas memórias. Ali cuido de cada detalhe de nossas lembranças. Todo dia antes de dormir, na segurança de minha solidão, abro a caixa por alguns momentos para reviver novamente o que um dia foi um amor imensurável. Quem aconselha a esquecer e virar a página a cada coração partido nunca se apaixonou de verdade.

Te amo, minha rosa. Onde quer que esteja, te amo!

Do seu eterno,
Cravo

11/09/2012

Dia de feira

Todo dia é dia de feira. Os gritos abafados dos vendedores em meio à rua e os clientes apressados de um lado para o outro procurando o melhor pelo menor preço.

Mais por menos; o lema da sociedade de hoje. O celular pula na mesa, na mesma hora em que o e-mail chega, o facebook apita e o twitter xinga. O recado do chefe, funcionário, mulher, marido, amante, amigo, colega, começa sempre com a mesma frase: "URGENTE!!!" e uma exclamação apenas não basta.

Arrancam-se pedaços para preencher vazios que não podem ser preenchidos: “Não encontro às peças que faltam no meu quebra-cabeça, me dê as suas!”.

Assim as crianças aprendem brincando a matar um leão por dia e achar bonito; “Just do it! - Apenas faça!”, é o que dizem. Em nome de que? Em nome de quem?

Num mundo sem distâncias, de relacionamentos instantâneos, parece que as pessoas esqueceram como se relacionar. Ser amigo é mais que curtir?

Mais um dia se passou, mais um dia esquivando-se constantemente das agressões que surgem de todos os lados. Engula se quiser, mas não diga que é normal.

A mais valiosa empresa do mundo tem um valor de mercado de 600 bilhões de dólares. Apenas números imaginários em jogos de gente que se diz grande. 600 bilhões divididos por 7 bilhões de seres humanos: 85 mil dólares; mais dinheiro do que 78% dessas pessoas terão recebido em toda uma vida (The Economist, 2009). Não é normal!

A hipótese da geração espontânea há muito foi refutada; se algo cresce, alguém tem de diminuir. Mais, mais, mais, garante o comprimido de ganância distribuído na merenda.

Engula se quiser, mas não diga que não foi avisado, as estrelas são testemunhas.

Lá no fundo do espírito, no porão escuro das memórias abandonadas, o buraco negro do desconhecido continua ativo. O que sacia?

Os olhos encontram o céu, vasto dos dois lados. A brisa sopra suave no jardim e dentro não encontra obstáculos. Comunhão completa com o Cosmos; se tudo que é, é tudo de nós, por que brigar por uma dúzia de laranjas e meio quilo de tomate?

04/09/2012

Ao centro do centro

Quando vejo as fotos tiradas em Marte pelo robô da Nasa me sinto feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz, por evoluirmos como espécie a ponto de ousar com sucesso uma missão tão difícil. Triste, por ver que as fotos não passam de pilhas de pedras avermelhadas, que pouco vão contribuir para preencher nosso sentimento mútuo de solidão.

Sem esforço me lembro quando me apaixonei por viajar. Conheci os recantos mais afastados, paradisíacos e, por vezes, inóspitos do que se chama de alma humana. Sim, porque viajar pelo mundo não requer mais do que dinheiro e um passaporte. Viajar para dentro de você, por outro lado, requer uma série de habilidades que devem ser desenvolvidas com uma prática incessante.

A primeira delas começou a ser desenvolvida quando escalava árvores de mais de 30 metros sem nenhum tipo de equipamento de escalada ou de segurança. Eu nunca escalei para provar que era capaz, ou para superar o desafio da altura. Eu escalava porque gostava de estar com as árvores. Nunca cai ou me machuquei e atribuo isso não a minha habilidade ou técnica, mas simplesmente pelo fato que eu confiava nas árvores. Confiar além da razão, esse é a primeira habilidade necessária.

A segunda eu aprendi com a meditação: observar sem interferir. Temos pouco hábito de simplesmente observar, somos educados desde pequenos a tecer comentários e opiniões sobre as coisas que chegam até nós. Observar sem interferir significa estar livre de julgamentos sobre bom ou ruim, melhor ou pior. Observar sem interferir, essa é a segunda habilidade necessária.

Por fim, a terceira habilidade, não é bem uma habilidade, é uma qualidade: determinação. Estar determinado é fundamental para seguir adiante, mesmo quando tudo fluir na direção contrária. Sem uma determinação pura ninguém pode se arriscar nos meandros da alma, se você questiona sua determinação, melhor assistir a um filme e comer pipoca; essa jornada não é sua. Determinação além das limitações, essa é a terceira habilidade.

Indo adiante sem se apegar, independente do que aconteça, esse é o caminho.

Dizem que existem duas trilhas possíveis na alma humana: a clara e a escura. Percorri as duas e digo com segurança, não existem duas trilhas distintas. Não se prova o amor, sem sentir o pavor; nem o êxtase, sem mergulhar no medo. E quando digo provar, me refiro a realmente experimentar todas as dimensões de cada pensamento, emoção e sentimento, não nossa prática diária de sentir um pouco e logo depois entulhar nossa consciência com novos estímulos.

E o que existe do outro lado do caminho que recompense tantos desafios? Nada além do que você já tem hoje, só que temperado com uma paz e uma certeza enormes. Não há libertação maior do que se reintegrar a um Cosmos que você nunca deixou, apenas acreditava que estava separado.

Nesse exato momento somos tudo que existe, sempre existiu e sempre existirá, sem nenhuma mácula.

Suas respostas não estão do lado de fora; não estão na Índia, Japão, Itália ou Estados Unidos. Também não estão em Marte ou Plutão, estão exatamente em você: vá buscá-las!