22/09/2006

Bambu cheio, Bambu oco

Esta é a história de um bambu, que perturbado com as incertezas da vida, decidiu abandonar sua família na floresta para ir em busca de sua verdadeira natureza oca.
Viajou por muitas cidades e países e apesar de encontrar alguns mestres e ensinamentos, sua insatisfação o conduzia sempre adiante.

Em uma dessas viagens finalmente encontrou um templo na China, onde pela primeira vez teve um vislumbre do que poderia ser a resposta aos seus questionamentos.

Mergulhou na meditação, permanecendo sentado silenciosamente durante horas na mesma postura, apenas observando o ar entrando e saindo e o ritmo natural das coisas.

Depois de alguns meses já havia se habituado a vida monástica, foi quando, durante uma prática, sentiu que todo seu ser abria-se, acompanhado da sensação de uma profunda tranqüilidade. Percebeu que aquilo que estivera buscando estava o tempo todo dentro de si mesmo e que esta substância que o forma é a mesma substância que circunda tudo ao seu redor.

Reverenciou a existência e partiu tendo encerrado a busca que o trouxera até ali. Retornou a floresta onde cresceu e passou a guiar sua vida a partir desta experiência.

No entanto o bambu não era capaz de encontrar a felicidade em sua rotina diária e tudo parecia se organizar de forma a atrapalhar seu caminho. Olhava ao redor e a cada dia ficava cada mais entristecido com as atitudes e comportamentos de seus semelhantes.

O mundo estava enlouquecido e só podia pensar que aquilo não passava de uma experiência que deu errado.

Acontece que por uma dessas razões desconhecidas da vida, acabou cruzando com um cipreste, que morava naquela região a muitos e muitos séculos.

A velha árvore era enorme, sua copa tocava o céu e suas raízes fincavam-se na terra. Apesar de seu tronco ser grosso, tinha uma flexibilidade incomum, que o fazia dançar com o vento.

O bambu caminhava silenciosamente para não perturba-lo, quando ouviu uma voz:

- Ouvi dizer que você é o bambu que compreendeu a própria natureza oca. É verdade? – Indagou o cipreste.

- Sim. Respondeu o bambu.

- Ora, mas isso é fácil! Gostaria de saber se você é capaz de perceber que eu também sou tão oco quanto você! – Replicou a velha árvore.

- Não sei como isso é possível. Sua essência é sólida e seu interior maciço, não há nem mesmo um único centímetro oco em todo seu ser.

- É porque seu conceito de oco ainda é muito raso. O que o faz verdadeiramente oco é a ausência de um eu particular, separado do restante.

O bambu permaneceu em silêncio e o cipreste continuou:

- Observe sua mente. Não aniquile seus pensamentos, nem force a si mesmo permanecer em um silêncio mórbido, agindo dessa forma você cessa as ilusões, mas também cessa a possibilidade da verdade se manifestar.

O mundo é vazio como o céu, mas no céu estão as nuvens, o Sol, a Lua, as estrelas, se você puder clarificar isto estará livre de todo o sofrimento.

Em profunda contemplação o bambu deixou então que os pensamentos fluíssem naturalmente por sua mente, afinal eles também são uma manifestação da verdade. Não se apegando a um ou outro em particular, pôde relaxar nesta atitude, até que de repente, em uma fração de segundo, voltou toda sua atenção para aquele que observava.

Percebeu que não havia nada onde os pensamentos, as emoções, o corpo ou o ego pudessem se apoiar e com isso compreendeu a verdadeira natureza das coisas.

- Sim, esse é o oco que abriga todos os seres. Confirmou o cipreste.

- Agora olhe ao seu redor – continuou.

E o bambu voltou seus olhos para fora e contemplou que toda a floresta não deixou de estar nem por um único segundo ausente desse contato, apesar de que alguns ainda não eram capazes de realizá-lo. Percebeu também que não poderia se orgulhar daquilo que se tornou, pois aquilo nada mais é do que o que ele sempre foi, apesar de ter esquecido.

Anos mais tarde o mesmo bambu foi encontrado por um músico ancião que o esculpiu em uma flauta. Diz a lenda que de suas canções brotaram os Vedas, o Tao Te King, a Bíblia e todos os textos religiosos conhecidos atualmente.

Mais isso é apenas uma história...

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