15/01/2007

Ego e Individualidade

Esta história conta a vida de 2 irmãos chamados Ego e Individualidade.

Poderia ser uma história como qualquer outra, não fosse o fato de que a mãe de Ego e Individualidade só deu a luz a uma criança...

Após 9 meses de espera e carinho eis que o mundo escutava o choro novo de um recém chegado.

Individualidade nasceu forte e saudável, uma menina de quase 3 quilos com um sorriso lindo que encantava a todos.

Seus primeiros anos foram como os de qualquer outra criança, brincando, engatinhando, andando, correndo, encantando os olhos fascinados dos pais corujas.

Por volta dos 4 anos, Individualidade apresentou seu novo irmãozinho à mãe:

- Olha mamãe, o nome dele é Ego! A Dona Cegonha deixou no jardim!

A mãe, que já havia lido sobre crianças e como elas criam amigos imaginários, julgou-se preparada para lidar com a nova situação e incentivou a filha:

- Que lindo! E olha como parece com você, tem o seu sorriso!

No começo tudo era normal, os pais de Individualidade imaginavam que ela criará seu irmão imaginário para ter alguém com quem brincar e dividir os momentos solitários que ficava em casa, enquanto ambos saiam para trabalhar. A mesa do jantar sempre tinha um lugar a mais, com pratos e talheres para Ego se sentar.

E um a um os anos passaram, no entanto a crença de Individualidade em Ego, seu irmão imaginário, se fortalecia mais e mais, ao contrário do que diziam os livros e especialistas.

Ego tornou-se o irmão conselheiro inseparável de Individualidade, era com ele que ela dividia todos seus medos, inseguranças e incertezas, assim como os momentos de felicidade e alegria, não importava onde ou com quem ela estivesse ele estava sempre presente.

Por conta dessa estranha mania os amigos reais de Individualidade se afastavam dela, tinham vergonha ou receio de andar ao lado de uma menina que todos diziam ser maluca. Na escola ela era sempre motivo de piadinhas, “Lá vem a Individualidade e seu amigo Gasparzinho!”, “Olha lá, quem é aquele do lado da Individualidade? Tá precisando tomar um Sol coitadinho, tá até transparente!”.

Preocupados os pais tentaram de tudo para despertá-la de sua ilusão, mas quanto mais falavam e brigavam, mais a ligação entre Individualidade e Ego se fortalecia.

Foi quando em um último ato de desespero, resolveram procurar um expert nos assuntos do mundo e criar uma trama para fazê-la tomar consciência da situação.

- Uma vez que ela perceba que o Ego é algo inventado e mantido apenas por sua imaginação, ela nunca mais se identificará com ele. Assim disse o expert nos assuntos do mundo.

A trama consistia em marcar uma viagem para a praia, aproveitando as férias escolares para juntos compartilharem uma semana em família.

Malas arrumadas, casa fechada, tanque cheio e uma dose tripla de calmante no copo de café com leite de Individualidade.

Após alguns minutos dentro do carro ela adormeceu profundamente e foi deixada pelos pais em um hospital, como mandava o plano.

Passadas algumas horas Individualidade despertou confusa e aturdida, sem imaginar o que havia lhe acontecido.

Instruído pelos pais e a par da situação o médico responsável veio lhe ver e contar sobre o terrível acidente que eles haviam sofrido. Por um milagre seus pais tinham sobrevivido, mas infelizmente seu irmão não tivera a mesma sorte e morreu minutos depois de dar entrada no hospital, com uma parada cardíaca devido à quantidade de sangue que perdera.

Individualidade chorou durante dias, que viraram semanas, que viraram meses, deixou de ir à escola, emagreceu quase 15 quilos e mal saia de casa.

Seus pais arrependeram-se do que fizeram, mas ficaram firmes e não lhe contaram a verdade, sempre apoiados pelo expert nos assuntos do mundo:

- Paciência, haverá um período de choque e confusão, já que ela esteve identificada com o Ego durante muitos anos. Vocês precisam permanecer fortes e confiantes, em breve ela enxergará toda a verdade e a crise acabará como num passe de mágica.

Conforme previsto ela se recuperou totalmente e anos mais tarde, formada e morando sozinha, veio a compreender naturalmente as raízes de sua ilusão e como havia criado e acreditado cegamente nela como na própria realidade.

Percebeu também a estratégia dos pais e os agradeceu por terem levado o plano até o fim sem fraquejar.

Decidiu que chegará à hora de conhecer o homem por trás de tudo e quis conhecer o expert nos assuntos do mundo.

Ao vê-lo notou que ele tinha um olhar brilhante e tranqüilo e a primeira coisa que veio a sua mente foi:

- Você sabe lidar tão bem com as pessoas, do mesmo jeito que sabe lidar com seres imaginários?

- Ambos são apenas frutos da imaginação. Ele respondeu.

Ela continuou:
- Sinto pela sua resposta que o homem capaz de enxergar o imaginário deva conhecer o real.

- Individualidade, da mesma forma digo que alguém que questiona a realidade, faz isto porque já conhece a irrealidade.

- Compreendo o que senhor quer dizer.

- Diga-me Individualidade, em qual realidade baseiam-se seus questionamentos?


Após essa conversa Individualidade tornou-se discípula do expert nos assuntos do mundo e estudou com ele durante anos. No momento de sua morte ela esteve a seu lado e foi ela quem continuou e expandiu seus ensinamentos, unindo a sabedoria dele ao seu coração cuidadoso.

Mas a morte chega para todos e um dia também sorriu para Individualidade. Foi no dia em que abandonou seu corpo que ela narrou o texto abaixo a seus discípulos:

"Naquela época, motivada apenas por uma incessante carência de reconhecimento pessoal e exterior, criei e cultivei o Ego para satisfazer as questões que me preocupavam e incomodavam.

Através dele pude cultivar um estado aparente de segurança que só vim a encontrar verdadeiramente anos mais tarde, mais precisamente quando recebi um novo nome de meu antigo mestre: Universalidade.

Olhando para trás sei que não haveria outra maneira de me fazer despertar do que aquela escolhida por meus pais e que todo sofrimento que passei era fruto apenas de minha incapacidade de enxergar as coisas como elas são, assim como é.

Portanto queridos quando eu digo que cada um de vocês é completo em si mesmo, é porque me direciono ao Ser mais profundo que habita em cada um de nós e em tudo que existe.

Que possamos todos alcançar tal realização.

Atravesso."


Um mês antes de morrer, ela narrou o texto que até hoje pode ser lido na lápide que guarda suas cinzas:

Universalidade
Não-nascida, Não-morta.

Apenas visita esse planeta esporadicamente,
como uma brisa soprada pelo vento,
como uma onda que se extingue nas areias,
como o sorriso de um recém-nascido,
como o último suspiro no leito de morte.

Esse instante, Atravesso.

Um comentário:

Vitor Costa disse...

Muito bonito, real e instrutivo. As metáforas são a melhor forma de fazer compreender o mundo ilusório. Eu habitualmente utilizo a linguagem do mundo ilusório para o explicar e ajudar a compreendê-lo. Tenho de aprender a escrever assim.