A atarefada realeza corre esbaforida por sob a cabeça de seus súditos, os últimos acontecimentos tinham colocado em cheque sua autoridade e alguém tinha de pagar por isso.
Não distante um franzino vira-latas fuça o lixo atrás de alimento. O corpo consumido pela sarna mal é capaz de manter em pé o pequeno animal. Desde que nasceu sua vida solitária tem sido uma incansável busca pela sobrevivência. Sobrevivência essa que será cessada em breve para acalmar com sangue os Deuses do Jardim do Ego.
Não eram dólares, barras de ouro nem barris de petróleo, a moeda de troca naquele aparente pacato vilarejo era a vaidade. Com vaidade se pagava e com vaidade se cobrava e como eram altos os preços do mercado.
No reino da vaidade cada ser humano é um feudo e cada feudo é pateticamente administrado como se fosse o mais importante do mundo. Dezenas, centenas, milhares de prefeitos, senhores e generais, cultuando seus domínios como se fossem o centro do universo.
Quando Copérnico atestou que a Terra gira ao redor do Sol ele ainda não era capaz de enxergar uma verdade maior: a Terra gira ao redor do umbigo de cada ser humano.
Pequeninas cargas de energia que quando amontoadas em determinada ordem geram uma infinidade de variações, que dentro da realidade humana podem se manifestar como santos ou demônios. E eram demônios que consumiam cada grama do pequeno vilarejo, em troca de uma momentânea foto no hall da fama dos há muito esquecidos antepassados.
Território limitado e cercas bem definidas, forçam a ganância a avançar por novos reinos imaginários registrados em ata e formalizados oficialmente em siglas. O organograma na parede materializa o que não existe.
Mesmas pessoas, mesmos prédios, nova administração, fundada exatamente sobre as mesmas premissas das administrações anteriores. Se digo que sim escuto um não, se dizem que não retruco com o sim. Positivo, negativo; aprovado, refutado. Muito foi feito, mas pouco foi mudado.
Pausa para o café. O inocente vira-latas respira seus últimos sopros de ar.
Cada frase um discurso, ouvidos escancarados para absorver a genialidade alheia, fortemente ancorada em meias verdades cuidadosamente estabelecidas sobre resultados pouco conclusivos. Entenda, você não precisa da verdade, precisa da minha opinião.
E assim, um atrás dos outros eles vão e vem. Sempre eternos em suas hegemonias temporárias. Chegam fortes e gordos e partem velhos e cansados; a vaidade é um veneno perigoso.
A faca rasga a garganta do animal, manchando de vermelho as mãos da realeza agora saciada. Sempre que o mais forte é ameaçado o mais fraco geme. Nada mais fácil e revigorante do que chutar cachorro morto.
Desconhecem os governantes sobre os ensinamentos do antigo sábio: "quem vive para si vive em vão, quem vive para os outros vive eternamente".
29/05/2012
22/05/2012
Escombros
Por sob os escombros do prédio da empresa de segurança, jazia o corpo ainda vivo de uma jovem senhora de seus quase trinta e cinco anos. Pálida, apática e coberta de cimento, lenta e dolorosamente seu ser se fundia com as ruínas.
Não que ela tivesse desistido, pelo contrário, seu coração sozinho bombeava o sangue de todos os feridos, como se a própria estrutura metálica da edificação tivesse se transformado em veias e artérias.
"Sinto muito medo", foi o que ela me disse vinte anos depois do acidente. Me confessou que de alguma forma sua mente ainda estava presa aos destroços. Como o pneu velho que atirado ao mar se transforma em milhões de pequeninos seres que em sua superfície encontram moradia, assim também as memórias se fundem aos cacos das lembranças, que costuradas em redes nervosas sangram muito para ser removidas.
Ainda assim, presa e curvada, nunca a vi desistir. Era como se seu coração tivesse desenvolvido uma habilidade de sobreviver e carregar o corpo adiante, mesmo quando o cérebro há muito já havia desistido.
Foi através dessa vontade que tive o privilégio de assistir seu renascimento, enquanto rastejava para fora de seu mundo reprimido. "Não é questão de força ou fraqueza, mas de saber que ainda tenho muito o que fazer", me falou depois.
E ela fez mesmo.
Caminhou por onde outros diziam ser impossível, escutou atentamente os que não tinham voz, carregou no colo os que não podiam andar. Incansável e humilde, nunca a vi pedir parabéns, nem nunca a vi se sentir lisonjeada com as palmas. Em sua cabeça sua missão era clara: fazer o bem é o único caminho possível, o que existe para ser elogiado?
Um dia reapareceu radiante e me disse com uma enorme verdade: "obrigado por me libertar". E eu respondi: não somos dois você e eu, nossa liberdade é compartilhada. Eu que preciso lhe agradecer por me abraçar tão forte quando as vigas cederam. Obrigado, mãe.
Não que ela tivesse desistido, pelo contrário, seu coração sozinho bombeava o sangue de todos os feridos, como se a própria estrutura metálica da edificação tivesse se transformado em veias e artérias.
"Sinto muito medo", foi o que ela me disse vinte anos depois do acidente. Me confessou que de alguma forma sua mente ainda estava presa aos destroços. Como o pneu velho que atirado ao mar se transforma em milhões de pequeninos seres que em sua superfície encontram moradia, assim também as memórias se fundem aos cacos das lembranças, que costuradas em redes nervosas sangram muito para ser removidas.
Ainda assim, presa e curvada, nunca a vi desistir. Era como se seu coração tivesse desenvolvido uma habilidade de sobreviver e carregar o corpo adiante, mesmo quando o cérebro há muito já havia desistido.
Foi através dessa vontade que tive o privilégio de assistir seu renascimento, enquanto rastejava para fora de seu mundo reprimido. "Não é questão de força ou fraqueza, mas de saber que ainda tenho muito o que fazer", me falou depois.
E ela fez mesmo.
Caminhou por onde outros diziam ser impossível, escutou atentamente os que não tinham voz, carregou no colo os que não podiam andar. Incansável e humilde, nunca a vi pedir parabéns, nem nunca a vi se sentir lisonjeada com as palmas. Em sua cabeça sua missão era clara: fazer o bem é o único caminho possível, o que existe para ser elogiado?
Um dia reapareceu radiante e me disse com uma enorme verdade: "obrigado por me libertar". E eu respondi: não somos dois você e eu, nossa liberdade é compartilhada. Eu que preciso lhe agradecer por me abraçar tão forte quando as vigas cederam. Obrigado, mãe.
27/04/2012
Diário de bordo
- Mas a sensação era tão boa.
- E quem foi que te disse que morrer é ruim? Todos os meus pacientes que relataram casos de pós-morte disseram que tinham vontade de ficar lá para sempre.
____
Dizem que a gente nunca esquece a primeira vez. A minha foi no mar, entregue as ondas. Só me recordo da sensação de entrega, seguida por uma multidão que se aglomerava em volta do pequeno corpo sobre a areia. Eu só tinha sete anos e acabará de me encontrar com a morte, trazido de volta por um sopro desconhecido que novamente encheu de ar meus pulmões. Desde então confesso que namoramos em segredo: eu e o misterioso Desconhecido que ronda o outro lado...
- E quem foi que te disse que morrer é ruim? Todos os meus pacientes que relataram casos de pós-morte disseram que tinham vontade de ficar lá para sempre.
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Dizem que a gente nunca esquece a primeira vez. A minha foi no mar, entregue as ondas. Só me recordo da sensação de entrega, seguida por uma multidão que se aglomerava em volta do pequeno corpo sobre a areia. Eu só tinha sete anos e acabará de me encontrar com a morte, trazido de volta por um sopro desconhecido que novamente encheu de ar meus pulmões. Desde então confesso que namoramos em segredo: eu e o misterioso Desconhecido que ronda o outro lado...
14/04/2012
Gira-gira
Descendo a ladeira giramos de novo, mesma trilha de sempre, repetida dia a dia nos mesmos centímetros. O que me motiva é apenas saber que não sou mais o mesmo, escolho o caminho pelo mesmo erro de novo, mas agora tenho consciência disso. Mudei...
Grande monstro que no escuro habita meus sonhos, você pode me atacar o quanto quiser, estou entre amigos e não vou me render.
Olho em volta, imersos caminhamos na mesma direção. Diversas espécies, diversos indivíduos, cada qual no mesmo jogo, imaginando egoisticamente que seu sofrimento e sua glória são os maiores do mundo.
Entorno até o fim com goles largos, um brinde a Roda da Vida! Gira-gira-gira novamente.
Existe libertação? Existe liberdade? Brilha a grande lua cheia sob o céu de outono. Nada para ser iluminado, nada para iluminar. A flor de lótus desabrocha completamente no pântano, mas não existe ninguém para testemunhar.
Olhos nos olhos do monstro. Ele rugi, eu sorrio. Você quer esse corpo? Não estou nele. Você quer essa mente? Não estou nela. Você quer esse espírito? Existo além dele. Sou tudo isso, sou você, criador e criatura fundidos na criação. Constante, apenas uma natureza. Obrigado por me mostrar o caminho, deixe-me agora voltar e sofrer dos mesmos males novamente, assim posso acender as tochas que indicam o caminho aos outros.
Apenas isso. Apenas isso acalma meu coração em fogo. Um grande tolo, vivendo uma vida repleta de erros, isso sou eu. Apenas isso. E que maravilhoso.
Obrigado.
Grande monstro que no escuro habita meus sonhos, você pode me atacar o quanto quiser, estou entre amigos e não vou me render.
Olho em volta, imersos caminhamos na mesma direção. Diversas espécies, diversos indivíduos, cada qual no mesmo jogo, imaginando egoisticamente que seu sofrimento e sua glória são os maiores do mundo.
Entorno até o fim com goles largos, um brinde a Roda da Vida! Gira-gira-gira novamente.
Existe libertação? Existe liberdade? Brilha a grande lua cheia sob o céu de outono. Nada para ser iluminado, nada para iluminar. A flor de lótus desabrocha completamente no pântano, mas não existe ninguém para testemunhar.
Olhos nos olhos do monstro. Ele rugi, eu sorrio. Você quer esse corpo? Não estou nele. Você quer essa mente? Não estou nela. Você quer esse espírito? Existo além dele. Sou tudo isso, sou você, criador e criatura fundidos na criação. Constante, apenas uma natureza. Obrigado por me mostrar o caminho, deixe-me agora voltar e sofrer dos mesmos males novamente, assim posso acender as tochas que indicam o caminho aos outros.
Apenas isso. Apenas isso acalma meu coração em fogo. Um grande tolo, vivendo uma vida repleta de erros, isso sou eu. Apenas isso. E que maravilhoso.
Obrigado.
10/01/2011
Até daqui a pouco
Faço minhas as palavras de um grande mestre adormecido:
"Mais uma reunião, pessoas com quem eu interajo… naqueles momentos não existe mais momento, o tempo desapareceu. Daqui a pouco já não é mais, fico me lembrando dos bons momentos, tentando revivê-los na minha mente.
Esquece, passou. Assim que é a vida, agora é, daqui a pouco já não é mais. A grande dificuldade, sinto tanta saudade."
Um dia vou te reencontrar e vamos rir ao relembrar dos momentos que passamos lado a lado. Então vou te dar um beijo na testa, e falar assim: “Você é pra sempre, até daqui a pouco”.
"Mais uma reunião, pessoas com quem eu interajo… naqueles momentos não existe mais momento, o tempo desapareceu. Daqui a pouco já não é mais, fico me lembrando dos bons momentos, tentando revivê-los na minha mente.
Esquece, passou. Assim que é a vida, agora é, daqui a pouco já não é mais. A grande dificuldade, sinto tanta saudade."
Um dia vou te reencontrar e vamos rir ao relembrar dos momentos que passamos lado a lado. Então vou te dar um beijo na testa, e falar assim: “Você é pra sempre, até daqui a pouco”.
23/07/2010
Cadê você?
“Essa vida é um sonho, que acabará num piscar de olhos. Lembre-se de quem você é...”
A voz que clama pertence ao mesmo que escuta, independente do corpo em que habita. Dizem que por trás da mente, por trás de tantos pensamentos e ilusões, existe algo chamado de Verdade e que redescobrir essa Verdade é a única tarefa real dessa vida, atingir a Iluminação.
Mas o que os pensamentos nos impedem de ver? Eles nos impedem de ver que a consciência dos pensamentos já é a própria consciência da Verdade.
Quem observa?
Não há resposta, nem ninguém para responder. A consciência que enxerga o por de sol de uma tarde de verão, a consciência que enxerga o time perder a final do campeonato, a consciência que enxerga a pessoa querida ir embora já é em si a própria consciência da Verdade. O céu poluído não deixa de ser céu; o oceano repleto de petróleo não deixa de ser oceano e a consciência preenchida pela mente não deixa de ser consciência.
Alguns pensam que existem níveis de Iluminação, como se fosse possível construir um ranking dos grandes mestres e das grandes mestras para premiar suas redescobertas:
“Jesus Cristo sets new World Record for fastest Ilumination”.
“Shakyamuni Buddha sets new World Record for deepest perception of the Nature of the Things”.
“Osho sets new World Record for manifestation of wisdom and compassion”.
No Zen Budismo dizem que a essência da vida, a Verdade, é guardada por um portal que não tem portões, em inglês The Gateless Gate. Mas o que existe do lado de dentro desse portão?
A partir do portão todas as respostas são apenas meras tentativas de descrever uma experiência que não pode ser descrita, como tentar descrever a sensação do contato da água com a pele, do sabor de uma pêra, ou do carinho de alguém que se ama. De qualquer forma, vale a tentativa.
Do outro lado do portão está o conforto de um banho quente após um dia cansativo, o relaxamento de adormecer após quitar a última parcela da dívida que se arrastava por tantos anos ou a liberdade de um adolescente que recebe a chave do carro do pai pela primeira vez. Essas sensações todas juntas e multiplicadas por 100, por 1.000, por 1.000.000.000.000.000.000.000.000!
Saber que existe algo além de nascimento e morte, além de felicidade e tristeza, algo que sempre existiu e que sempre existirá. Darwin ousou chamar a evolução dos seres vivos de “seleção natural”, permita-me chamar a experiência de reencontrar a Verdade de “sabedoria natural”.
Muitos dos que adentram o portão voltam para apontar aos outros o caminho. Cada um manifestando a “sabedoria natural” de sua forma, alguns com sermões, outros com milagres, outros com olhares, outros com paciência, outros com compaixão; alguns mais próximos dos deuses, outros mais próximos dos homens. Novamente, qual seria a utilidade de se classificar essas características?
Você é nesse exato momento aquilo que quer se tornar, você é nesse exato momento a própria Verdade; quando chora, quando rouba, quando ama, quando cuida, quando mata, quando limpa, quando busca e quando desiste. Apenas lembre-se de quem você é e não se contente com o que encontrar, até que reste apenas o eterno.
“Cadê você?! Cadê você?!” Eram os gritos que ecoavam do escuro da floresta. Corajosos os que se lançam nessa jornada. Mal imaginam que do outro lado do portão algo lhes espera avidamente:
“Onde estará ele? Já era hora de ter voltado. Será que aconteceu algo? Provavelmente deve estar entretido com alguma besteira por aí, de novo...”
A voz que clama pertence ao mesmo que escuta, independente do corpo em que habita. Dizem que por trás da mente, por trás de tantos pensamentos e ilusões, existe algo chamado de Verdade e que redescobrir essa Verdade é a única tarefa real dessa vida, atingir a Iluminação.
Mas o que os pensamentos nos impedem de ver? Eles nos impedem de ver que a consciência dos pensamentos já é a própria consciência da Verdade.
Quem observa?
Não há resposta, nem ninguém para responder. A consciência que enxerga o por de sol de uma tarde de verão, a consciência que enxerga o time perder a final do campeonato, a consciência que enxerga a pessoa querida ir embora já é em si a própria consciência da Verdade. O céu poluído não deixa de ser céu; o oceano repleto de petróleo não deixa de ser oceano e a consciência preenchida pela mente não deixa de ser consciência.
Alguns pensam que existem níveis de Iluminação, como se fosse possível construir um ranking dos grandes mestres e das grandes mestras para premiar suas redescobertas:
“Jesus Cristo sets new World Record for fastest Ilumination”.
“Shakyamuni Buddha sets new World Record for deepest perception of the Nature of the Things”.
“Osho sets new World Record for manifestation of wisdom and compassion”.
No Zen Budismo dizem que a essência da vida, a Verdade, é guardada por um portal que não tem portões, em inglês The Gateless Gate. Mas o que existe do lado de dentro desse portão?
A partir do portão todas as respostas são apenas meras tentativas de descrever uma experiência que não pode ser descrita, como tentar descrever a sensação do contato da água com a pele, do sabor de uma pêra, ou do carinho de alguém que se ama. De qualquer forma, vale a tentativa.
Do outro lado do portão está o conforto de um banho quente após um dia cansativo, o relaxamento de adormecer após quitar a última parcela da dívida que se arrastava por tantos anos ou a liberdade de um adolescente que recebe a chave do carro do pai pela primeira vez. Essas sensações todas juntas e multiplicadas por 100, por 1.000, por 1.000.000.000.000.000.000.000.000!
Saber que existe algo além de nascimento e morte, além de felicidade e tristeza, algo que sempre existiu e que sempre existirá. Darwin ousou chamar a evolução dos seres vivos de “seleção natural”, permita-me chamar a experiência de reencontrar a Verdade de “sabedoria natural”.
Muitos dos que adentram o portão voltam para apontar aos outros o caminho. Cada um manifestando a “sabedoria natural” de sua forma, alguns com sermões, outros com milagres, outros com olhares, outros com paciência, outros com compaixão; alguns mais próximos dos deuses, outros mais próximos dos homens. Novamente, qual seria a utilidade de se classificar essas características?
Você é nesse exato momento aquilo que quer se tornar, você é nesse exato momento a própria Verdade; quando chora, quando rouba, quando ama, quando cuida, quando mata, quando limpa, quando busca e quando desiste. Apenas lembre-se de quem você é e não se contente com o que encontrar, até que reste apenas o eterno.
“Cadê você?! Cadê você?!” Eram os gritos que ecoavam do escuro da floresta. Corajosos os que se lançam nessa jornada. Mal imaginam que do outro lado do portão algo lhes espera avidamente:
“Onde estará ele? Já era hora de ter voltado. Será que aconteceu algo? Provavelmente deve estar entretido com alguma besteira por aí, de novo...”
16/07/2010
Você está preparado?
- Você está preparado?
Perguntou a Sumaúma ao pesquisador, que com um gesto da mão havia autorizado o lenhador a ligar a serra elétrica, que derrubaria a centenária árvore de quase quarenta metros de altura.
Intrigado por ouvir uma árvore falando, e rememorando se havia tomado o caldo de algum cipó que pudesse criar esses tipos de alucinações, o cientista decidiu romper todos seus paradigmas acadêmicos e interrogar a vítima de seus experimentos:
- Desculpe, não entendi.
- Você está realmente preparado para isso? Sua mente está realmente quieta, estabilizada e realizada? Completou a árvore.
Atônito o cientista não sabia o que dizer, as palavras sumiram de sua boca. Logo ele, mestre da arte de responder questões e testar hipóteses.
Seu caminho até aquele momento não havia sido fácil, para se tornar realidade seu projeto de doutorado demandou muitas escolhas difíceis e o forçou a abrir mão de uma companheira querida e de uma oportunidade profissional promissora. E agora aquele ser, sem o menor pudor, questionava suas qualificações.
- Sou pesquisador da área ambiental, meu trabalho busca identificar os principais pontos de sustentação do equilíbrio que se estabelecem em uma floresta tropical madura. Minha hipótese é de que uma vez entendidos esses pontos, intervenções no bioma poderão ser feitas, de forma a minimizar os impactos de uma ocupação antrópica.
O vento soprou forte, fazendo tocar a melodia natural composta pelos ocos das árvores.
- Sim, mas eu perguntei se VOCÊ está preparado – insistiu a Sumaúma.
- Meu trabalho está em fase avançada, dentro do cronograma inicial que previa a coleta de dados em campo para o terceiro trimestre e...
- Sim, eu entendi, é o equilíbrio que você busca. Deixe-me melhorar a pergunta: sua mente está equilibrada?
- Completamente! Disse o pesquisador em tom ríspido, já se cansando daquela baboseira.
- Então pode me derrubar! Bradou a árvore.
Surpreso com entrega tão verdadeira, o pesquisador não conseguiu seguir com seu plano, ao invés disso perguntou:
- Você poderia me dizer algo sobre o equilíbrio?
- Ah! Então você também sabe usar o ponto de interrogação? Brincou a árvore antes de continuar: o equilíbrio aqui não se estabelece como aparentemente se pensa. Não estamos competindo, mas também não estamos nos ajudando. Não somos organismos separados, mas também não estamos sós. A cada novo instante a floresta envelhece e envelhecemos com ela, inclusive as novas sementes, que ainda nem germinaram. Meu esforço é de adaptação as condições que se estabelecem a cada novo momento, dinamicamente. Olhando de fora parece que existe um grande caos estabelecido nesse ambiente; esse caos é gerado no processo de manutenção da vida, mas também combatido continuamente por essa mesma vida. Dessa forma, os pontos de equilíbrio se alteram sempre que necessário e assim tem sido desde que essa grande brincadeira começou a alguns bilhões de anos atrás.
- Muito diferente do mundo de onde venho. Deixou escapar o cientista.
- É mesmo? Eu imagino que vocês estejam buscando pelo equilíbrio também, todos juntos, mas cada um por si. Afirmando e reafirmando a individualidade como maior dos benefícios e buscando através da realização pessoal a sonhada prosperidade. Dessa forma, a princípio egoísta, constrói-se uma sociedade mais rica cultural e economicamente, que se adapta as condições impostas pela constante mudança ocasionada pelo envelhecer do universo. Não cometa o mesmo erro de outros, em achar que o equilíbrio possa ser imposto a entidades que atuam através da desorganização. Se você quiser realmente encontrar o equilíbrio pelo qual busca, terá de procurá-lo além da sua mente, onde a essência de tudo que existe está guardada. A nossa Essência comum.
Perguntou a Sumaúma ao pesquisador, que com um gesto da mão havia autorizado o lenhador a ligar a serra elétrica, que derrubaria a centenária árvore de quase quarenta metros de altura.
Intrigado por ouvir uma árvore falando, e rememorando se havia tomado o caldo de algum cipó que pudesse criar esses tipos de alucinações, o cientista decidiu romper todos seus paradigmas acadêmicos e interrogar a vítima de seus experimentos:
- Desculpe, não entendi.
- Você está realmente preparado para isso? Sua mente está realmente quieta, estabilizada e realizada? Completou a árvore.
Atônito o cientista não sabia o que dizer, as palavras sumiram de sua boca. Logo ele, mestre da arte de responder questões e testar hipóteses.
Seu caminho até aquele momento não havia sido fácil, para se tornar realidade seu projeto de doutorado demandou muitas escolhas difíceis e o forçou a abrir mão de uma companheira querida e de uma oportunidade profissional promissora. E agora aquele ser, sem o menor pudor, questionava suas qualificações.
- Sou pesquisador da área ambiental, meu trabalho busca identificar os principais pontos de sustentação do equilíbrio que se estabelecem em uma floresta tropical madura. Minha hipótese é de que uma vez entendidos esses pontos, intervenções no bioma poderão ser feitas, de forma a minimizar os impactos de uma ocupação antrópica.
O vento soprou forte, fazendo tocar a melodia natural composta pelos ocos das árvores.
- Sim, mas eu perguntei se VOCÊ está preparado – insistiu a Sumaúma.
- Meu trabalho está em fase avançada, dentro do cronograma inicial que previa a coleta de dados em campo para o terceiro trimestre e...
- Sim, eu entendi, é o equilíbrio que você busca. Deixe-me melhorar a pergunta: sua mente está equilibrada?
- Completamente! Disse o pesquisador em tom ríspido, já se cansando daquela baboseira.
- Então pode me derrubar! Bradou a árvore.
Surpreso com entrega tão verdadeira, o pesquisador não conseguiu seguir com seu plano, ao invés disso perguntou:
- Você poderia me dizer algo sobre o equilíbrio?
- Ah! Então você também sabe usar o ponto de interrogação? Brincou a árvore antes de continuar: o equilíbrio aqui não se estabelece como aparentemente se pensa. Não estamos competindo, mas também não estamos nos ajudando. Não somos organismos separados, mas também não estamos sós. A cada novo instante a floresta envelhece e envelhecemos com ela, inclusive as novas sementes, que ainda nem germinaram. Meu esforço é de adaptação as condições que se estabelecem a cada novo momento, dinamicamente. Olhando de fora parece que existe um grande caos estabelecido nesse ambiente; esse caos é gerado no processo de manutenção da vida, mas também combatido continuamente por essa mesma vida. Dessa forma, os pontos de equilíbrio se alteram sempre que necessário e assim tem sido desde que essa grande brincadeira começou a alguns bilhões de anos atrás.
- Muito diferente do mundo de onde venho. Deixou escapar o cientista.
- É mesmo? Eu imagino que vocês estejam buscando pelo equilíbrio também, todos juntos, mas cada um por si. Afirmando e reafirmando a individualidade como maior dos benefícios e buscando através da realização pessoal a sonhada prosperidade. Dessa forma, a princípio egoísta, constrói-se uma sociedade mais rica cultural e economicamente, que se adapta as condições impostas pela constante mudança ocasionada pelo envelhecer do universo. Não cometa o mesmo erro de outros, em achar que o equilíbrio possa ser imposto a entidades que atuam através da desorganização. Se você quiser realmente encontrar o equilíbrio pelo qual busca, terá de procurá-lo além da sua mente, onde a essência de tudo que existe está guardada. A nossa Essência comum.
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