14/03/2007

Toc, toc, toc. Quem bate?

O vento corta o corredor, enquanto em silêncio espero minha vez...

A sala de meditação está repleta, todos quietos voltados para a parede, cada um com seu caminho, cada um com seu cada um, todos nós juntos.

Ali no corredor esperava minha vez de entrar para fazer uma entrevista particular com a mestra.

Nesses breves minutos de espera, impressionante a quantidade de informações que circulam pela cabeça, quantas projeções do que fazer, do que vai acontecer e se isso e se aquilo, enfim, minutos tensos!

Não se sabe quanto tempo a pessoa que entrou na sua frente ficará lá dentro com a mestra, pode ser 15 segundos ou uma hora, se a entrevista durar mais tempo do que o período de meditação você perdeu a oportunidade e só poderá fazer no próximo período, que dependendo da ocasião poderá ser somente daqui a uma semana ou mais!

Para os que não conhecem, uma entrevista em meditação no Zen Budismo chama-se Dokusan, uma oportunidade de se sentar em frente ao mestre ou mestra, olhar nos olhos e perguntar ou dizer qualquer coisa que esteja lhe afligindo no momento, não é apenas uma entrevista particular, é uma oportunidade para mergulhar em sua prática e no mistério da vida.

Mas voltemos àqueles breves instantes antes de chegada minha hora, enquanto aguardo no corredor pelo sino que autoriza a entrada na sala, voltemos àqueles breves minutos que parecem horas, que parecem levar toda a idade média para passar.

Eu ali sentado, esperando, o vento cortando a cara, aquele silêncio cheio de expectativas, a perna quer balançar, os dedos querem se mexer, se pudesse até roia as unhas, mas preciso manter a postura.

Então o sino toca!

Fudeu!

Me levanto e caminho até o sino que eu devo tocar no corredor para avisar que tem mais uma pessoa ali fora.

Pego o martelinho, devo dar 3 toques.

TuMMmmMmMMmm – Não soou legal, deixa eu me esforçar mais.

TUMMMMMMMMMMMMMM – Ihhhhhhh, muito forte!

tuuumm – Ihhhhhh, muito fraco! Bom, agora já foi!

Abro a porta, caminho até a sala, tudo escuro, apenas luz de velas, sentada no canto ela me aguarda, faço uma reverência na porta, caminho até a almofada para me sentar e em pé mais uma reverência, me sento, mais uma reverência.

Levanto a cabeça, olhos nos olhos....



Silêncio....



Todos aqueles pensamentos se foram, toda a segurança da mente, todos os planos e projeções fugiram, me deixaram aqui sozinho. É sempre assim.

Tento dizer algo, as palavras não saem, gaguejo, não consigo falar algo que não seja sincero, estar ali é como estar diante de si mesmo, não existe necessidade de mentir, não existe necessidade de chorar lágrimas falsas ou mostrar força onde ela não existe.

Ali era apenas eu, não havia um ela, era como estar diante de uma floresta, uma cachoeira, ou do mar, naturalmente integrado, apenas minha mente ingênua destoando do Todo.

Enfiam as palavras saem, a conversa flui, mas não como uma conversa comum, não existem padrões ou rituais, não é mais um processo automático de pergunta e resposta, ação e reação.

Então, sem aviso prévio o sino toca na mão dela novamente.

Hora de ir. Em nenhum momento passa pela cabeça se havia algo não dito, se havia algo por se fazer. O sino toca, você reverencia e sai, simplesmente sai.

E pronto, lá se foi a sua antiga vida!

Durante os próximos dias aqueles momentos repetirão como um filme, as palavras ecoaram vivas e só bem mais tarde farão algum sentido, se é que isso existe, se é que isso é necessário, normalmente não passa de mais uma ilusão da mente, tentando restringir verdades em compartimentos para utilizar mais tarde em alguma situação peculiar.

No entanto se você puder se entregar e se você puder confiar, virá o momento em que não haverá mais um “eu” e um “ela” ali naquela sala. Haverá o momento que os olhos que enxergam são os mesmos que contemplam. Haverá o momento em que todos os mestres do passado e do futuro estarão ali presentes em corpo e alma.

E então será alcançada a liberação de tudo, a transmissão de coração a coração.

Que os méritos se estendam a todos os seres...

Mãos em prece.

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